16 de outubro de 2015

Nova paixão

 

Estou uma adepta fervorosa das aulas de bike, spinning, RPM ou como bem lhe quiserem chamar. No fundo, são aquelas aulas em que te reunes com mais meia dúzia de doidos, elas de leggings ou calções e eles com calções justos, reforçados nos fundilhos para proteger zonas de alta sensibilidade. Ambos de t-shirt, umas cavadas outras nem tanto, e alguns com ténis xpto, próprios da modalidade. Todos munidos de toalha e garrafa com água, dois objectos essenciais no decorrer da aula, e prontos para sofrer.
Entra o monitor e testa o som e o microfone enquanto as almas penadas esperam, ainda meio ensonadas, que o relógio marque as 7.00 da matina.
Há hora certa, entramos em fila indiana, tal e qual os meninos da escola, para uma sala circular com bicicletas estáticas colocadas frente a dois enormes écrans que a essa hora projectam já o filme de uma estrada, ora de alcatrão ora de terra batida, com a imagem de dois ou três ciclistas, homens, claro, que a percorrem aparentemente sem grande esforço.
 Ajustadas as bicicletas à altura de cada um, diminui-se a intensidade da luz e ouve-se o primeiro "Bom dia turma! Estamos numa aula de nível 3. Estão prontos? Vamos lá, deixa rolar."
 E aí vamos nós, atrás dos ciclistas do filme. Inicialmente, estamos todos sincronizados, pedalamos, sem resistência, logo, sem esforço, num ritmo calmo, de aquecimento. Passados os minutos iniciais ouvimos uma voz, ainda calma, a informar que por esta altura os nossos batimentos cardíacos devem estar nos 65%. É-nos explicado que iremos trabalhar numa escala de 0 a 10 de intensidade e que nesse momento devemos, idealmente, estar a sentir um seis e meio.
 Pronto, a partir daqui é a loucura total, são ajustes de carga, a chamada resistência, contínuos, sempre a aumentar, e as rotações ora a 110 "estamos a descer, minha gente, é velocidade nessa perna" ora a 90 " são três subidas de montanha, começa agora a primeira" ora a 65 porque a resistência está a um nível insuportável tanto para a perna que não consegue puxar mais como para o pulmão que se esforça por encontrar ar (nas alturas em que se consegue respirar) porque há outras em que já nem isso se consegue e apenas se arfa. O suor corre em bica e é aqui que entram em acção os tais dois objectos imprescindíveis - a toalha e a garrafinha de água - a roupa encharcada e o cabelo colado à cabeça.
Começam as caretas, cerrar de dentes e esgares de dor. Tudo vale para que se consiga aguentar outra subida que se inicia segundos depois da primeira ter terminado. Descanso nem vê-lo. Intensidade de dor de oito, oito e meio, nove  e continuamos a aumentar carga e a subir montanha. Por esta altura, aquela voz que nos dava instruções de inicio de forma calma, está já aos gritos, numa vã tentativa de nos manter motivados a continuar com aquele esforço sem fim à vista. O suor escorre, entra nos olhos, desliza pelo pescoço, ombros e costas, as pernas fervem do esforço exigido, o coração palpita desalmadamente numa tentativa de fazer chegar o oxigénio onde ele é preciso, às pernas, o cérebro momentaneamente privado desse néctar brinda-nos com tonturas e grita para termos juízo e pararmos. Ok. Concordamos e fazemos-lhe a vontade. "Muito bem, turma, alivia, normaliza a respiração, aproveita para beber água e vamos lá, começa de novo a carregar a perna, ajusta a carga e sobe". Hã? Como? Ainda nem tinha percebido que estávamos nos 15 segundos de intervalo e já vamos de novo iniciar o martírio das subidas e descidas e carga e aperta e ajusta e respira e solta os braços e endireita as costas, e levanta a cabeça, e respira, e aumenta resistência, e braços à frente, e braços ao lado, e  aumenta carga e sobe, e.. e.. meu deus, isto não acaba? Lá muito ao fundo consigo ouvir o Jorge a dizer "chegámos ao nove e meio, o meio restante guardamos para a próxima aula. alivia e deixa rolar, trava e desce". Devagarinho, muito a custo, deixo o selim e quando quero pôr as pernas no chão, elas cedem, tremem que nem gelatina, a força desapareceu. A verdade é que os 60 minutos de aula passam a correr e a sensação é boa demais. Quem tem força para olhar para a cara dos companheiros percebe que não há ninguém com ar fresco e composto, está toda a gente com cara de quem saiu de uma grande batalha. Mas a felicidade de termos conseguido, mais uma vez, é enorme. Quem consegue ainda diz bom dia, a maioria apenas abana a cabeça e vamos todos para o banho que o dia de trabalho vai começar.

P.S. O cansaço é tão grande quando saio que já é o segundo dia que visto a camisola do avesso. O Tico e o Teco, coitados, depois deste esforço intenso, nem pensam direito.


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