O psicólogo paulistano, nascido na Aclimação como Janderson Fernandes
de Oliveira, entende que todos os problemas existenciais e da humanidade
têm origem no f
ato de o ser humano transferir a responsabilidade pela sua felicidade para o outro e se colocar sempre como vítimas.
"Todas as crises têm origem em nós mesmos. Somos cocriadores do bem e
do mal", afirma. "Nós, brasileiros, somos todos responsáveis pela
corrupção e pela violência."
Prem Baba também elogia o papa
Francisco, critica o fundamentalismo e a intolerância religiosa e fala
da força destrutiva de sexo, dinheiro e poder. A seguir, os principais
trechos da entrevista.
Folha - Como um psicólogo que buscava respostas na ciência foi encontrá-las na religião?
Sri Prem Baba - Quando a psicologia vai fundo esbarra na esfera
espiritual. Por que as pessoas têm tanta dificuldade para se relacionar?
Por que precisam sofrer mesmo amando umas as outras? Tentei encontrar
respostas no catolicismo, no kardecismo, no budismo, na umbanda. Cheguei
a um beco sem saída, com direito a síndrome do pânico, depressão,
ceticismo. Quando encontrei meu guia Maharajji [mestre de uma comunidade
espiritual em Rishikesh, na Índia], me sentia em uma floresta escura,
mas já não estava só.
Encontrou as respostas?
É conseguir
amar sem querer nada em troca. Todos carregamos esse poder. Só que nos
distanciamos disso devido a traumas, condicionamentos, humilhação,
exclusão e dores. Meu grande questionamento é por que as pessoas não são
capazes de criar relações saudáveis. A angústia da humanidade é querer
se relacionar de forma positiva, mas não saber como.
O senhor descobriu?
Meu livro é um convite para uma reflexão profunda a respeito das
relações humanas, especialmente das afetivas-sexuais. Enquanto não
formos capazes de ser felizes no casamento, nós vamos dar passagem para
filhos que também serão infelizes, ao reproduzirmos padrões destrutivos,
sofrimento e ignorância. Uma sociedade baseada na cultura de paz e
prosperidade precisa "ressignificar" o casamento, como espaço de
respeito, transparência, amor, honestidade e autorresponsabilidade.
Se é tão problemático por que continuar casando?
Pela cultura, pela religião, por uma inconsciência coletiva. As pessoas
são mecanicamente levadas a se casar e a ter filhos sem refletir para
onde estão indo. Nossa educação tem destruído a humanidade. É focada na
guerra, em como ganhar dinheiro e ter sucesso, mas não ensina como ser
feliz. Os valores foram se perdendo e isso gera crises na economia, na
política, no meio ambiente.
Depois de casar três vezes, o que aprendeu?
Todas as minhas relações foram maravilhosos instrumentos de
aprendizado. Eu ainda culpava o outro pelas minhas dificuldades e pela
incapacidade de amar e de ser feliz. Fui descobrindo que tinha aprendido
a ser ciumento, possessivo, inseguro. Criança nasce amando, confiando.
Aprende o contrário em casa. Temos que interromper esse ciclo vicioso de
procriar a ignorância e a dor.
Recomenda o casamento?
Fui
casado, namorei um monte. Agora, estou sozinho. Sinto que já vivi o que
tinha para viver nessa área. Tirando todo o romantismo, relacionamento é
universidade. Você só tira o diploma quando consegue deixar o outro
livre até para não te amar se ele não puder ou não quiser.
Como mudar essa chave?
Temos um movimento chamado Awaken Love [Amor Desperto]. O objetivo é
disseminar valores como honestidade, autorresponsabilidade, gentileza,
dedicação e beleza. Estamos tentando tornar política pública um projeto
para que escolas abram espaços para as crianças lidarem com sentimentos.
Onde recebam o ensino secular, mas possam aprender valores que levem à
cooperação, à não violência e à união.
A escola está preparada?
Estamos focados na figura dos educadores e fazendo mediação com as
famílias. Muitas vezes, os pais se assustam com a sexualidade dos
filhos. Assim como os professores. Até porque eles próprios não têm a
sexualidade resolvida. E aí acabam repetindo traumas que sofreram na
infância. Por isso, atuamos na educação, uma das maneiras de
ressignificar as relações humanas.
Por que o Brasil é uma sociedade tão violenta?
O que a gente entende por violência e maldade são mecanismos de defesa
criados para nos proteger das dores. Quanto maior a maldade e a
violência, maior é a dor que a pessoa carrega. Precisamos tocar nessa
dor.
Encarcerar jovens a partir de 16 anos resolve?
Crimes
hediondos são uma realidade que precisa ser paralisada. Porém, é
importante compreender que o encarceramento não vai resolver. Vai
aumentar o problema. A dor, a revolta e a vingança vão aumentar. Temos
que tratar a doença, a causa, não só o efeito e o sintoma.
A redução da maioridade penal é uma bomba-relógio?
Sim. A violência no Brasil se tornou endêmica, ao mesmo tempo que
cultivamos a crença de que o mal mora somente no coração de criminosos,
de pessoas de caráter duvidoso, de terroristas, mas nunca dentro de nós
mesmos.
É criticar o político corrupto e sonegar impostos?
Exatamente. A gente tenta fugir dos problemas, assim como fugimos das
dificuldades numa relação afetiva. Por que um jovem está dando passagem
para uma violência? Por que se tornou moda no Rio matar a facadas? Isso
precisa ser olhado de frente. Nosso trem saiu dos trilhos e estamos
tentando resolver de fora para dentro.
Somos todos responsáveis pelas crises individuais e coletivas?
Todas as crises, assim como a violência e a corrupção, têm origem em
nós mesmos. E a chave para curar tudo isso está dentro de nós também. O
problema é a adição, o vício no sofrimento. Em algum momento, a energia
vital, a própria sexualidade, acabou se casando com o sofrimento. Chamo
isso de ciclo vicioso do sadomasoquismo.
Ninguém é vítima então?
Todos somos cocriadores de tudo, do bem e do mal. Percebo isso hoje na
política, na crise moral, na Lava Jato. É óbvio que temos lideranças
corruptas, mas é verdade também que somos coniventes. Só começamos a
acordar agora.
Enxerga mudanças?
Sinto que tudo isso está
fazendo com que o brasileiro assuma responsabilidades. Nós somos todos
responsáveis pela corrupção, pela violência. Precisamos de mais
consciência na hora de votar.
Adianta demonizar a política e os políticos?
O descrédito na política se deu por conta de uma crise ética. E ela tem
base nas mesmas raízes da crise do casamento. Por que o corrupto faz o
que faz? Por que ele rouba, engana, falsifica? Sexo, poder e dinheiro.
Para dominar. No seu eu mais profundo, ele acredita ser inferior. Existe
uma dor ali que não foi tratada nem compreendida. Por isso, estou
tentando influenciar novos líderes. Não adianta querer resolver os
problemas sociais e econômicos de fora para dentro.
Qual a consequência de não assumirmos nossas responsabilidades nesse todo?
Aí está uma das raízes da guerra. É o que faz com que uma pessoa acuse a
outra, uma cidade acuse a outra, um país acuse o outro. Ninguém assume
sua própria responsabilidade.
Sexo, poder e dinheiro são destrutivos?
São três forças que poderiam propiciar ascensão da humanidade, mas, por
terem sido corrompidas, criaram a miséria humana. É usar o dinheiro
para dominar o outro, para mostrar poder. Com o sexo é a mesma coisa.
Por que tanto uso de antidepressivos e medicamentos para dormir?
Li numa pesquisa que o segundo medicamento mais vendido no mundo é
remédio para dormir. O primeiro, pílula anticoncepcional. Curiosíssimo.
Aonde chegamos? Isso nos faz perceber o grau de sofrimento e dor do ser
humano, que lhe impede de ter sono. As pessoas não desligam mais. Estão o
tempo todo buscando saídas. A infelicidade se manifesta como ansiedade,
depressão e falta de sentido da vida.
Estamos fugindo das dores, do luto?
Exatamente. Um dos caminhos para atravessar esse vale escuro, de sair
de um velho para um novo casamento, é a disponibilidade de sentir,
inclusive frustração e tristeza, sem tentar amortecer isso. A crise
básica que permeia a vida humana é acreditar que a felicidade vem do
outro. Se estamos sem dinheiro, trabalho, sozinho, a culpa é do outro,
de Deus, do carma ou da macumba. Sempre fora de nós. Por isso, o
autoconhecimento é chave para superar sofrimento e vícios destrutivos
das relações.
O que acha dessa onda conservadora no país?
Tenho acompanhado coisas lamentáveis, como religiosos se opondo à
homossexualidade em pleno século 21, campanhas a favor de encarceramento
dos jovens, homofobia, intolerância religiosa. Estou trabalhando em um
documentário que vai reunir lideranças religiosas do planeta a fim de
encontrar aquilo que existe em comum nas religiões.
Quem vai participar?
Estamos tentando chegar ao papa Francisco e ao Dalai Lama. Chamamos um
líder islâmico e outro hinduísta. Vamos dialogar com lideranças
religiosas que não compactuam com violência em nome de Deus. Se gera
destruição, morte e sofrimento não é divino.
Por que cresce o fundamentalismo?
Pelo desconhecimento das sombras da miséria humana. Existe
fundamentalismo não só no islamismo, mas também no cristianismo, nas
denominações cristãs, no hinduísmo, no judaísmo. Fanatismo é aceitar ou
rechaçar sem questionar. Estão perdidos em um baile de mascaras,
desconectados, carentes de afago e reconhecimento. A inconsciência vai
reproduzindo cada vez mais inconsciência. O que aconteceu na Alemanha
nazista acontece, em menor grau, o tempo todo em todos os lugares.
A banalidade do mal se espalhou?
Sim. É triste. Lamentável.
O que acha do papa Francisco?
Sou um grande admirador. Esse papa conquistou meu coração fazendo
pontes, criando caminhos. Foi visitar o Obama e levou de presente um
livro de Osho [filósofo indiano morto em 1990]. Um mestre espiritual que
já criticou o catolicismo. Isso é sinal de abertura e maturidade [O
papa ofereceu a Obama uma brochura de sua exortação apostólica "A
Alegria do Evangelho" e dois medalhões. O livro de Osho foi divulgado
pela Internet como um dos presentes, mas se tratava de brincadeira].
Por que tanta ignorância, estupidez e falta de amor no mundo?
A raiz da crise hoje –e que podemos dizer que se deve à ignorância- é
espiritual. É o esquecimento da nossa verdadeira natureza. Nos
esquecemos de quem somos, do que viemos fazer aqui, da razão real que
nos faz acordar pela manhã. Qual é o propósito da nossa alma? Esse
planeta não é um shopping center. Não é um lugar para ficar três dias,
comprar coisas, casar, ter filho e ir embora. Precisamos acordar. A
razão real de estar aqui é nos amarmos sem nos machucar nem machucar o
outro.
A humanidade não deu certo?
Boa pergunta. Não sou fatalista nem pessimista. Sinto que essa crise global é uma grande possibilidade.
O senhor se definiu como uma pessoa simples. Por que chegou aqui em um utilitário da Mercedes-Benz?
Não é minha. Hoje, a pessoa que estava disponível para me trazer tem
uma Mercedes. Mas já vim de Palio, Gol, Fox. Ou a pé. Amada, faço
questão de responder essas questões. Sou sincero e transparente. Na
Índia, moro num quarto. Assim como fico hospedado em palácio fico em uma
cabana.
Esta entrevista faz-nos reflectir sobre vários aspectos do desenvolvimento humano e das relações. Porque é que ainda continuamos a responsabilizar os outros pela nossa infelicidade e nos custa tanto assumir a responsabilidade integral pela nossa vida, crescimento e felicidade? Se calhar os outros não têm assim tanta culpa...