9 de outubro de 2014

O Tijolo Bumerangue


Mais uma maravilhosa história de Jorge Bucay, desta vez sobre o efeito autodestrutivo da raiva contida.

 

Naquele dia, eu estava muito irritado. Estava de mau humor e tudo me incomodava. A minha atitude no consultório era pouco produtiva e eu só reclamava Detestava tudo o que fazia e tudo o que tinha. Mas, acima de tudo, estava aborrecido comigo mesmo, como num conto de Papini que o Jorge me leu, naquele dia eu sentia que não conseguia suportar «ser eu mesmo».

— Sou um estúpido — disse-lhe (ou disse para mim próprio). — Um imbecil… Acho que me detesto.
— És detestado por metade da população deste consultório. A outra metade vai contar-te uma história.

Era uma vez um homem que andava sempre com um tijolo na mão. Tinha decidido que, quando alguém o irritasse a ponto de ficar cheio de raiva, lhe daria com o tijolo na cabeça. O método era um bocado agressivo, mas parecia eficaz, não é?

Um dia cruzou-se com um amigo muito prepotente, que lhe falou com maus modos. Fiel à sua decisão, o homem pegou no tijolo e atirou-lho à cabeça.
Não me lembro se lhe acertou ou não. Mas acontece que, depois disso, o facto de ter de ir buscar o tijolo depois de o arremessar lhe pareceu um bocado incómodo.

 Decidiu, então, inventar o «Sistema de Autopreservação do Tijolo», como lhe chamou. Atou uma corda de um metro ao tijolo e saiu para a rua. Isto permitia que o tijolo nunca se afastasse demasiado, mas rapidamente o homem constatou que o novo método também tinha os seus problemas: por um lado, a pessoa destinatária da sua hostilidade tinha de estar a menos de um metro de distância e, por outro, depois de atirar o tijolo, era obrigado a recolher o fio que, além do mais, muitas vezes se enredava e fazia nós, com todas as chatices que daí decorriam.

Foi então que o homem inventou o «Sistema Tijolo III». O protagonista continuava a ser o mesmo tijolo, mas, neste sistema, em vez de estar atado a uma corda, estava atado a um elástico. Agora, o tijolo podia ser lançado uma e outra vez e voltaria sempre para trás, como um bumerangue, pensou o homem.

Quando saiu de casa e recebeu a primeira agressão, atirou o tijolo. Mas foi um fracasso total: quando o elástico entrou em acção, o tijolo voltou para trás e acertou em cheio na cabeça do próprio homem.
Tornou a tentar e levou segunda vez com o tijolo na cabeça por ter medido mal a distância.
À terceira, foi por ter atirado o tijolo fora de tempo.
A quarta vez foi muito sui generis, porque, depois de ter decidido bater na vítima, arrependeu-se e tentou protegê-la, acabando por levar com o tijolo na cara.
Ficou com um galo enorme…

Nunca se soube porque é que o homem nunca conseguiu acertar com o tijolo em alguém: se foi por causa das pancadas que levou, ou se por uma alteração no seu ânimo.
Todas as pancadas acabaram sempre por ser auto-infligidas.

 -  Chama-se a este mecanismo retroflexão: basicamente porque consiste em proteger os outros da nossa própria agressividade. Sempre que o pomos em prática, a nossa energia agressiva e hostil detém-se antes de chegar ao outro, através de uma barreira que nós impomos a nós próprios. Esta barreira não absorve o impacto, limita-se a reflecti-lo. E toda essa irritação, todo esse mau humor e agressividade se viram contra nós mesmos, através de comportamentos reais de auto-agressão (danos físicos, comida em excesso, consumo de drogas, correr riscos desnecessários) e, outras vezes, através de emoções ou sentimentos dissimulados (depressão, culpa, somatização).

É muito provável que um utópico ser humano «iluminado», lúcido e íntegro nunca se irrite. Seria óptimo para nós se nunca perdesse-as estribeiras, no entanto, uma vez que sentimos raiva, ira ou irritação, a única maneira de nos livrarmos delas é arrancando-as cá para fora transformadas em acção. Caso contrário, a única coisa que conseguimos, mais cedo ou mais tarde, é irritarmo-nos com nós próprios.


1 comentário: